A sustentabilidade é responsabilidade de quem?

A sustentabilidade é responsabilidade de quem?

Consumo consciente, greenwashing e mudanças climáticas. Conceitos que falam do indivíduo ou do sistema? Quem é responsável pela construção de um futuro que nos permita não ser a primeira espécie culpada pela sua própria extinção? Infelizmente, segundo Yuval Noah Harari sugere no seu livro Homo Sapiens, os seres humanos têm grandes chances de ganharem este título.

Uma pesquisa recente realizada pela Mintel, empresa especialista em pesquisa de mercado, perguntou para os consumidores quem eles acreditam que são os maiores responsáveis pelos problemas relacionados à sustentabilidade. O resultado foi esse:

Legenda: 1. Reduzir o uso de combustíveis fosseis para energia (ex carvão, gás) 2. Reduzir emissão de automóveis (ex combustíveis fosseis) 3. Aumentar o uso de energias renováveis 4. Reduzir emissões de aeronaves/voos 5. Aumentar o florestamento (ex. Plantar mais árvores) 6. Impedir a poluição de rios e oceanos 7. Conservar as fontes de água limpa 8. Aumentar a quantidade de embalagens que são recicladas 9. Reduzir investimentos em empresas/indústrias que dependem de combustíveis fósseis 10. Garantir condições justas e pagamentos justos aos trabalhadores 11. Promover a igualdade (ex. em relação a gênero, raça e orientação sexual (tradução livre da figura 1:15 do relatório Mintel Sustainability Barometer 2021) 

A maioria dos consumidores entrevistados acredita que são as empresas as principais responsáveis por uma série de ações ambientais e sociais, ou seja, mais responsáveis do que os governos ou eles mesmos. Apesar disso, o relatório também conclui que os consumidores consideram que eles podem fazer a diferença e ser parte da solução, apostando em comportamentos sustentáveis simples e saudáveis. Em relação ao posicionamento dos governos, podemos pensar na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) do Brasil como um exemplo. Essa lei circulou cerca de 20 anos no congresso nacional e só foi aprovada após uma alteração do texto que, diferente do que ocorreu na Europa, define que a responsabilidade pelos resíduos gerados é compartilhada. Ou seja, produtores, distribuidores, consumidores, entre outros atores participantes do sistema consumo-descarte são responsáveis pelos resíduos e a gestão dele.

Em alguns países da Europa, por exemplo, é regulamentado que a responsabilidade do descarte de embalagens é das empresas produtoras e fabricantes das mesmas. Assim, elas precisam pensar no material que será usado para as embalagens e como fazer a logística reversa ou o descarte com consciência das mesmas. O que acontece é que nem sempre existe um incentivo do governo para as empresas utilizarem materiais mais sustentáveis e o "problema" acaba só sendo transferido para o setor privado. 

[Ao cima, embalagem vendida do Brasil, com a utilização de plástico. Embaixo dela, embalagem vendida na Suíça feita de papel 100% reciclado.]

Mesmo já tendo desenvolvido uma embalagem sem plástico, muitas marcas, como a Duracell por exemplo, não levam esse produto para todos os países. Os motivos devem ser os mais variados, mas será que um deles é o preço extremamente barato do plástico? Será que faltam leis e/ou incentivos econômicos para termos mais embalagens sustentáveis no Brasil? Será que mais pessoas comprariam de empresas com embalagens 100% recicladas e recicláveis? As diferenças entre Brasil e Suíça são imensas e é necessário entender cada sistema econômico e social para tirar algumas conclusões.

A sustentabilidade e a economia

A conexão da economia com a sustentabilidade está cada vez mais sendo falada entre consumidores e empreendedores. Muitas empresas estão focando nas melhores práticas de ESG (sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança), e o tema sustentabilidade ganhou relevância. Diversos empreendedores estão dispostos a investir em start-ups de impacto socioambiental, também conhecidas no mercado financeiro como greentechs. De acordo com um relatório recente da consultoria Allied Market Research, o volume de recursos alocados em greentechs deve saltar de US$ 6,8 bilhões em 2018 para US$ 44,6 bilhões em 2026.

O marketing utilizado por grande parte das empresas B2C que levantam a bandeira da sustentabilidade é focado nas mudanças de comportamento e estilo de vida dos consumidores. O consumo consciente é tido como alternativa por grande parte das pessoas que se colocam como co-responsáveis pelo futuro que querem viver e deixar. Apesar disso, a palavra greenwashing, que pode ser traduzido como “lavagem verde”, também já está cada vez mais conhecida. Ela nada mais é do que a prática de empresas de camuflar, mentir ou omitir informações sobre os reais impactos das atividades dela no meio ambiente. Ou seja, muitas vezes achamos que estamos comprando de marcas sustentáveis, pois isso é o que escutamos, quando na verdade não sabemos realmente o que a empresa faz e o impacto que estamos causando.

O fato é que, independente de quem você acredita ser responsável pela construção de um futuro onde seres humanos vão existir, ainda dá para acreditar que o consumo consciente vai nos salvar das mudanças climáticas? Será que órgãos públicos e empresas não precisam agir com mais precisão e urgência? Catástrofes naturais eram uma ameaça, mas hoje em dia são a nossa realidade como planeta. O desafio da sustentabilidade nunca foi tão urgente e por isso é necessário entendermos questões econômicas e estruturais, assim como a realidade de cada lugar, para construir soluções.

Como consumidora, consciente do meu privilégio e oportunidades, opto por vários produtos e marcas que julgo ter o comprometimento com a sustentabilidade. Muitas vezes, pago mais caro por isso. De certa maneira, me sinto confortável em poder agir assim, porém com a certeza de que sou uma porcentagem mínima da população com poder aquisitivo para tal. No final, a intenção desse texto não é apontar quem é responsável pelo nosso futuro. Mas instigar que os consumidores entendam a sua parte, dentro do que é possível para cada realidade, assim como governos e empresas tragam a sustentabilidade (não a "lavagem verde") como prioridade nas suas ações.

Como Ailton Krenak fala no seu livro Ideias para Adiar o Fim do Mundo, "fomos, durante muito tempo, embalados com a história de que somos a humanidade. Enquanto isso fomos nos alienando desse organismo de que somos parte, a Terra, e passamos a pensar que ele é uma coisa e nós, outra: a Terra e a humanidade. Eu não percebo onde tem alguma coisa que não seja natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo que eu consigo pensar é natureza."

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